A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DIZ QUE NINGUÉM PODE SER PRESO SE NÃO EM RAZÃO DE
LEI. O RDE É UM DECRETO, LOGO NÀO PODE SER USADO PARA PRENDER NINGUÉM.
A ilegalidade da aplicação das punições
disciplinares de impedimento disciplinar, detenção e prisão previstas no art.
24, incisos II, IV e V, do Decreto n° 4.346/02, diante da não recepção do art.
47 da Lei n° 6.880/80 pela CF/88.
A CF/88 em seu art. 5°, inc. LXVIII prevê que “conceder-se-á
'habeas corpus' sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder”.
No que tange a previsão do art. 142, § 2°, da
CF/88, o qual prevê “Não caberá habeas corpus em relação a punições
disciplinares militares” é pacífica a jurisprudência pátria quanto à
possibilidade de impetração do writ em relação a punições disciplinares,
mormente quando a prisão for decretada em flagrante ilegalidade ou abuso de
poder, vedado, tão-somente, o exame de mérito. Veja-se excerto da
jurisprudência do STF, verbis:
"não há
que se falar em violação ao art. 142, § 2º, da CF, se a concessão de 'habeas
corpus', impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão-somente para
os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões
referentes ao mérito" (STF, 2ª Turma, RE nº 338840/RS, Rel.ª Min.ª Ellen
Gracie, DJ 12/09/2003) (g.n)
O ordenamento jurídico pátrio, nos fundamentos da
CF/88, art. 5°, inc. LXI, prevê, verbis:
“LXI -
ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”
(g.n)
Vê-se, claramente, que o legislador constitucional
teve o intuito de estabelecer a necessidade de lei delimitadora das hipóteses
não apenas para os crimes, mas também para as transgressões disciplinares.
O que se vê nas punições disciplinares (prisão,
detenção e impedimento disciplinar), é que a sanção aplicada ao paciente,
na maior das vezes, está a restringir a locomoção do militar e, dessa
forma, só poderiam ser validamente aplicadas caso houvessem sido definida em
lei stricto sensu, o que invariavelmente, tem a reserva legal como forma
de se coibir o arbítrio e o abuso da Administração Pública, mormente na caserna,
quando da aplicação da sanção disciplinar.
Destarte, com a entrada em vigor da CF/88, houve a
revogação do art. 47, da Lei n° 6.880/80, mormente com relação às transgressões
militares que restringem a liberdade de locomoção, como a detenção disciplinar,
o impedimento disciplinar e a prisão disciplinar previstas no Decreto
regulamentar, como ocorre hoje no Exército Brasileiro, com a edição do Decreto
n° 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprovou o Regulamento Disciplinar do
Exército (R-4).
Dessa forma, não restou o Decreto supramencionado
recepcionado pelo novo ordenamento constitucional, pois incompatível com o
disposto em seu art. 5°, inc. XLI.
Conseqüentemente, viciada está a edição do decreto
n° 4.346, pois fulcrada em norma legal não recepcionada pela Constituição
Federal vigente, o que, invariavelmente, viciou o plano de validade de toda
disposição regulamentar contida no referido decreto, referente à aplicação das
penalidades de impedimento disciplinar, detenção e prisão disciplinares, ou
seja, inc. II, IV e V do art. 24.
Não se trata aqui da inconstitucionalidade do
Decreto que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército, até porque a
jurisprudência do STF já se firmou no sentido de que não cabe Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) com relação a dispositivos de Decreto que
regulamenta Lei, pois a questão nesse caso se coloca no plano da legalidade e
não da constitucionalidade. (MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA nº 763/SP, Relator
Min. Moreira Alves, publicada no DJU em 26/02/93, p. 02355).
Em verdade a inconstitucionalidade do Regulamento
Disciplinar do Exército (RDE) já foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal
Federal, nos autos da ADI n° 3.340, a qual foi ajuizada pelo Procurador-Geral
da República, sendo que o Plenário, por maioria de votos, não conheceu da ação.
O julgamento foi em 03 de novembro de 2005.
Portanto, como bem asseverou o Desembargador
Federal do TRF da 4ª Região, ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, verbis:
“... a
matéria a ser examinada resume-se à incompatibilidade material do artigo
47 da Lei 6.880/80 com a Magna Carta, especialmente em relação ao art. 5º,
inciso LXI, verbis:
"Ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por ordem expressa e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei."
Efetivamente,
em atenção ao secular princípio de que inexiste pena "sem prévia cominação
legal" (nulla poena sine praevia lege) também expresso na
Constituição de 1988, não se há de admitir em um regime democrático o estabelecimento de penas
restritivas de liberdade (prisão ou detenção) sem que tais sanções
tenham sido fixadas por lei, aprovada pelo Congresso Nacional.
Desse modo, não se pode afirmar que o artigo 47 da Lei 6.880/80
foi recepcionado pela Constituição, eis que com ela se mostra incompatível, pois quando delegou competência ao regulamento
para "especificar e classificar as contravenções ou transgressões
disciplinares", bem como "estabelecer as normas relativas à amplitude
e aplicação das penas disciplinares" incidiu em manifesta contrariedade ao apontado
inciso LXI do artigo 5º da CF, o qual, como visto, exige que as hipóteses de prisão por transgressão
militar sejam definidas em lei.”
Aliás, este é também o entendimento do TRF da 4ª
Região, 8ª Turma, que no Recurso Criminal em Sentido Estrito n°
2004.71.02.008512-4/RS, que por UNANIMIDADE, decidiu, verbis:
“...
3. Ao
possibilitar a definição dos casos de prisão e detenção disciplinares por
transgressão militar através de decreto regulamentar a ser expedido pelo Chefe
do Poder Executivo, o art. 47 da Lei nº 6.880/80 restou revogado pelo
novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o disposto no
art. 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da
República ter promulgado o Decreto nº 4.346/02 (Regulamento Disciplinar do
Exército) com fundamento em norma legal não-recepcionada pela Carta Cidadã
viciou o plano da validade de toda e qualquer disposição regulamentar contida
no mesmo pertinente à aplicação das referidas penalidades, notadamente os
incisos IV e V de seu art. 24. Inocorrência de repristinação dos
preceitos do Decreto nº 90.604/84 (ADCT, art. 25).” (g.n)
Nosso entendimento é corroborado também pela
doutrina, vejamos os ensinamentos dos doutos juristas, verbis:
José Afonso da Silva
"é absoluta
a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela
Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer
outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: a
lei regulará, a lei disporá, a lei complementar organizará, a lei criará, a lei
definirá, etc." (in Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997)
(g.n)
Eliezer Pereira Martins
"pode
(...) cometer o equívoco de entender-se que quando o legislador constitucional
pede uma lei para integrar a eficácia da norma contida na Constituição, está na
realidade referindo-se à lei 'lato sensu' (medidas provisórias, decretos,
portarias, etc.). Tal interpretação, contudo, em sendo feita de modo genérico,
como mostraremos, é rematado erro hermenêutico, já que no universo das
disposições restritivas da liberdade individual, a lei a que se refere o
legislador é sempre o ato que tenha obedecido o processo legislativo como
elemento de garantia do princípio da legalidade e mais exatamente da reserva
legal. Ora, é cristalino que decreto não é lei. Na melhor doutrina, aquele é
instrumento de regulamentação nos estritos limites da lei que o ensejou"
(in Direito
Administrativo Disciplinar Militar e sua Processualidade. São Paulo: Editora de Direito,
1996, p. 86)
O Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ,
assim asseverou, ao proferir seu voto como relator do Recurso Criminal n°
2004.71.02.008512-4/RS, verbis:
Ora, é
inegável que as sanções em apreço, na forma em que conceituadas, estão a
restringir o direito de locomoção do militar e, como tal, somente poderiam ser validamente
impingidas acaso definidas em lei stricto sensu, consistindo-se a adoção da reserva legal, pois,
em uma garantia para o castrense, na medida que impede o abuso e o arbítrio da
Administração Pública na imposição da sanção.
O caso,
contudo, não é de declaração de inconstitucionalidade (sujeita ao princípio da
reserva de plenário prevista no artigo 97 da CF), tampouco de ilegalidade, das disposições
do Decreto nº 4.346/02, senão vejamos.
A respeito,
conforme já assentou o Pretório Excelso, "se o ato regulamentar vai além do conteúdo da
lei, pratica ilegalidade. Neste caso, não há falar em inconstitucionalidade.
Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar, é que
poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle de
constitucionalidade" (STF, pleno, ADI nº 589/DF, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJU
18.10.1991). Note-se que, na hipótese, o artigo 47 da Lei nº 6.880/80 conferia
expressamente ao Chefe do Poder Executivo a competência para regulamentar a
matéria da forma em que procedida, não se configurando, em decorrência, a pecha
de ilegalidade do ato.
Poder-se-ia,
então, cogitar, in casu, de
inconstitucionalidade do referido preceptivo da Lei nº 6.880/80. Porém, como é
cediço, o vício de inconstitucionalidade pressupõe a edição, posterior ao
advento de uma nova ordem constitucional, de uma norma legal que a contrarie.
Em sendo o ordenamento jurídico infraconstitucional preexistente à novel
Constituição, a validade dos preceitos daquele deve ser aferida sob o prisma de
sua recepção (se compatível) ou não (se colidente) pelo novo mandamento
constitucional instituído. Realmente, "a lei ou é constitucional ou não é lei. Lei
inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional
quando fiel
à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita, dispondo
sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado
em face à Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não
pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o
legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não
torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não
deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental,
por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior
valeria menos que a lei ordinária"
(STF, pleno,
ADI nº 02/DF, Rel. Ministro Paulo Brossard, DJU 21.11.1997). O mesmo
entendimento, inclusive, já manifestou a Corte Especial deste Regional, na
sessão que se realizou em 25.05.2006, ao apreciar a Argüição de
Inconstitucionalidade na AMS nº 2001.70.03.000730-1/PR (Rel.ª Des.ª Sílvia Goraieb).
De tal
forma, em verdade, operou-se, na hipótese, a revogação, quando da entrada em
vigor da Constituição Cidadã, do artigo 47 da Lei nº 6.880/80, porquanto, ao
possibilitar a definição dos casos de prisão (e detenção) disciplinar por
transgressão militar através de decreto regulamentar, não restou ele
recepcionado pelo novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o
disposto em seu artigo 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da
República ter promulgado o mencionado édito com fundamento em norma legal
não-recepcionada pela Magna Carta viciou o plano da validade de toda e qualquer
disposição regulamentar contida no mesmo pertinente à aplicação das penalidades
de detenção e prisão disciplinares (a saber: incisos IV e V do artigo 24).
Por
derradeiro, tampouco há falar, na matéria, em repristinação dos preceitos do
Decreto nº 90.604/84, uma vez que, a teor do artigo 25 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, foram expressamente "revogados, a partir de cento e oitenta dias
da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos
os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a Órgão do Poder Executivo
competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente
no que tange a: I – ação normativa".
Assim sendo,
voto por: a) não-conhecer do recurso em sentido estrito manejado pela União; e
b) dar parcial provimento à remessa ex officio para, afastando a inconstitucionalidade Decreto nº
4.346/02, reconhecer a não-recepção, pela Carta Magna de 1988, do artigo 47 da
Lei nº 6.880/80 e, por conseguinte, a invalidade dos incisos IV e V do artigo
24 do referido decreto presidencial.
Destarte, as aplicações das punições disciplinares,
mormente as de prisão, detenção e impedimento disciplinares são passivas de
anulação mediante impetração Habeas Corpus cuja competência para julgamento é
da Justiça Federal.
Para as punições disciplinares que estão em vias de
serem aplicadas, há a possibilidade de impetração do writ para obtenção
de salvo-conduto evitando-se, assim, que a autoridade coatora aplique as
sanções em decorrência de supostas transgressões disciplinares, que comporta
prestação antecipatória de tutela jurisdicional liminar, ou seja, deve-se
quando da impetração do writ requerer o pedido liminar de antecipação de
tutela jurisdicional até julgamento final, visto demonstrados o periculum in
mora e fumus boni iuris.
Veja as jurisprudências:
FONTE: http://policialbr.com/forum/topics/a-inconstitucionalidade-do-regulamento-disciplinar-das-pms-e-bms-?xg_source=msg_mes_network#ixzz1ewbfUJwO
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/br/
Under Creative Commons License: Attribution
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