O projeto Bolsa-Formação do
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci),
carro-chefe do governo federal no combate à violência, repassou
indevidamente recursos a cerca de 3 mil profissionais em todo o país.
Policiais, bombeiros, agentes penitenciários e peritos receberam o
benefício mensal de R$ 443 como incentivo para fazerem cursos virtuais
de capacitação, mesmo sem atender às condicionalidades impostas pelo
projeto — como o teto salarial de R$ 1,7 mil ou estar em atividade na
área da segurança. A quantia embolsada ilegalmente entre 2008 e 2011
chega a R$ 5 milhões — valor que agora o Ministério da Justiça, gestor
do Pronasci, tenta receber de volta.
Ofícios começaram a ser expedidos neste mês aos profissionais solicitando a devolução dos recursos repassados indevidamente. Eles terão 60 dias para questionar a cobrança. Se decidirem quitar os débitos, poderão parcelar. Caso se recusem a ressarcir os cofres públicos, serão acionados judicialmente, via Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
A secretária Nacional de Segurança
Pública, Regina Mikki, não acredita que será preciso chegar a tal ponto.
“Creio que, na maior parte dos casos, os profissionais receberam de
boa-fé, achando que poderiam receber. Pode ser um policial que tenha
morrido, por exemplo. Essa família vai ser convidada a devolver o que
foi repassado”, diz.
O diagnóstico real, entretanto,
só será possível com o retorno de todos os ofícios, segundo Regina,
embora a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça tenha
informado, posteriormente, que mais de 90% dos casos se referem a
pagamentos a profissionais que se aposentaram, foram exonerados ou
morreram no meio do curso. A dificuldade, sustenta a pasta, está no
repasse dessas informações por parte das secretarias de Segurança
Pública dos estados, além de outros órgãos empregadores dos
beneficiários do Bolsa-Formação, para o governo federal. Suspeitas
concretas de fraudes, afirma o Ministério da Justiça, via assessoria,
recaem apenas sobre cinco profissionais.
Apesar dessa certeza, há um clima de
muita normalidade dentro de batalhões do Rio de Janeiro, um dos estados
mais atendidos pelo Bolsa-Formação, quando o assunto é fraudar o
programa. Muitos não participam dos cursos, colocando colegas em seu
lugar, em troca de uma parcela do benefício. Deixar de comunicar,
conscientemente, uma nova gratificação que empurra o salário para além
do teto de R$ 1,7 mil é outra maneira de garantir o incentivo.
“Diante do salário que a gente ganha, ninguém se atreve a repreender ou mesmo condenar esse profissional. Sem o Bolsa-Formação, muita gente simplesmente não paga as contas do mês”, diz um profissional que pede anonimato.
Embora o Ministério da Justiça reclame
da demora dos estados em comunicar ao governo federal mudanças na
situação funcional dos beneficiários, como aumento de salário ou
aposentadoria, o Bolsa-Formação é um programa desenhado para funcionar
sem dependência dos órgãos estaduais. A inscrição é feita diretamente no
site do Ministério da Justiça, com o envio de documentos. E o pagamento
do incentivo mensal ocorre diretamente, via Caixa Econômica Federal,
para uma conta em nome do profissional. “Com as secretarias estaduais
envolvidas, creio que seria mais difícil fraudar o programa ou evitar
pagamentos irregulares”, afirma o coronel José Vicente da Silva,
ex-secretário Nacional de Segurança Pública.Ignácio Cano, sociólogo do
Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, destaca o sucesso “conceitual” do Bolsa-Formação. “Não há
dúvidas da sua importância. Mas, do ponto de vista gerencial, é um
programa que tem recebido críticas desde o início”, lembra. Ele
ressalta, porém, que é preciso avaliar o custo-benefício em ter um
sistema de controle que impeça qualquer fraude. “Às vezes, gasta-se mais
para garantir que ninguém receba indevidamente do que aceitar que uma
parcela pequena vai burlar as regras”, destaca. Cano aponta como mais
importante verificar os resultados práticos da formação. “A gente não
sabe se esses cursos estão impactando a vida dos profissionais, se as
práticas estão sendo incorporadas. Seria necessária uma avaliação”,
defende.
CORREIO BRASILIENSE