O jovem policial
Eu
estava botando gasolina no tanque de meu carro e do meu lado estavam
dois carros da Brigada Militar. Dois policiais falavam com alguém do
posto. Um terceiro, bem junto da minha janela, de costas para mim,
portava uma arma grande, que na minha ignorância acho que poderia ser um
fuzil ou uma metralhadora. Estava ali, sozinho, e comecei a observá-lo
sem que me notasse. Tenso, alerta, consciente de sua missão, olhava para
os lados empunhando sua arma com o cano voltado para baixo. Seu rosto
era jovem, tão jovem que me comovi. Podia ser meu filho. Mais: podia ser
meu neto. Estava tão concentrado no seu dever, tão alerta na sua
posição, que fiquei imaginando se, ou quando, ele poderia levar um tiro
de algum bandido. Poderia ficar lesado gravemente. Poderia morrer. Por
mim, por você, por um de nós, em qualquer parte do Brasil, não importa
que nome se dê à sua corporação nem se é da guarda estadual, municipal,
federal. Esses jovens se expõem por nós. Morrem por nós. Tentam, num
país tão confuso, proteger o cidadão. A gente realmente pensa nisso? Uma
vez ao dia, uma vez por semana, uma vez ao mês?
Ilustração Atômica Studio
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Tentei
imaginar também como eu me sentiria se um de meus netos tivesse essa
profissão. Que suspiro de alívio a cada noite, ou a cada manhã, sabendo
que ele estava em casa. Que angústia sempre que se noticiasse uma
perseguição, um tiroteio. Quanto ganha para se expor assim um rapaz
desses? Esse tinha na mão esquerda uma fina aliança. Podia ter filhos,
com certeza muito pequenos, dada sua pouca idade. Que vida a de milhares
de famílias, em troca, penso eu, de uma compensação financeira
diminuta.
Impressionada
com sua seriedade, com a realidade concreta daquela arma enorme, e com
quanto de repente me senti em dívida com aquele quase menino, teimei em
adivinhar: quanto ganharia ele? Tanto quanto uma boa empregada
doméstica, que não arrisca a vida embora seja importantíssima numa casa
bem organizada onde a valorizam? Tanto quanto uma professora de escola
elementar, que vende quinquilharias ou doces feitos em casa para colegas
no intervalo das aulas, a fim de se sustentar?
Tanque
cheio, saí rodando, pensativa: a educação e a segurança são o primeiro
eixo da vida de um país digno. Elas e outros tantos fatores. Mas eu,
naquele dia, quis pensar em educação e segurança. Com elas gastam-se
quilômetros de papel e uma eternidade em falação. Se fôssemos um país
mais educado, menos policiais morreriam por nós, com certeza menos
cidadãos seriam assaltados, violentados e mortos, menos jovens se
tornariam malfeitores, menos força teriam os narcotraficantes. Menos
jovens de classe média alta se matariam nas estradas ou venderiam drogas
mortais a seus colegas nas escolas ou nos bares.
O
problema, o dilema, a tragédia é saber por onde começar: educação
começa em casa. Mas, diz um psicólogo amigo meu, os meninos (e meninas)
problemáticos (aqui não falo dos saudáveis, que constroem uma vida) em
geral não têm pai ou mãe em casa, e têm poucos modelos bons a seguir.
Nas escolas, professores e professoras são mal pagos, desestimulados,
sobrecarregados e desanimados (não todos, portanto não me xinguem por
isso). Nesse caso, a educação deveria começar pelo alto: pelas
autoridades, pelos políticos, pelos líderes. Não posso dizer que o
Brasil está sendo brindado com uma maioria de políticos modelares, de
líderes positivos, de autoridades de atitude impecável.
Então
vivemos um dilema triste: começar por baixo, pela faixa etária menor,
pela educação em casa e nos primeiros anos na escola, ou começar a
reformar a mentalidade dos altos escalões, nos quais alguns líderes se
destacam pela autoridade moral e elevada postura, mas a maioria, sinto
muito, está longe disso?
Não
creio que haja resposta. Eu não a tenho. Quem a tiver que sugira aos
governos, ou aos pais, ou aos colégios. De momento, parece-me que
estamos apenas despertando para essa questão crucial, sem a qual nada se
fará de importante neste nosso país das utopias.
Lya Luft é escritora
Que o parágrafo abaixo fique gravado na mente de todos nós.
“Se fôssemos um país mais educado,
menos policiais morreriam por nós, menos cidadãos seriam assaltados e
mortos, menos jovens se tornariam malfeitores, menos força teriam os
narcotraficantes”.
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