Mendonça Prado
O Brasil vive um momento novo na segurança pública. A elevação do nível
intelectual dos policiais, em função dos concursos públicos exigidos
pela Carta de 1988, engendrou uma conscientização política que está
surpreendendo os governantes. Assim, categorias profissionais que
anteriormente não reivindicavam direitos e garantias, agora agem com
disposição para que os gestores cumpram os respectivos papéis.
As polícias militares, que até pouco tempo eram constituídas por
inúmeros incultos, hoje são compostas por praças e oficiais que se
destacam pela formação educacional. Não é raro encontrar soldados
bacharéis, pós-graduados, mestres e até doutores. São cérebros que
constituem um novo perfil para as forças de segurança e exigem uma
relação contemporânea entre subordinados e superiores hierárquicos.
Dessa maneira, não se admitem mais tratamentos deseducados ou arrogantes
dos que estão em postos de comando. Não se pode mais apostar no vigor
de regras disciplinares que ferem princípios constitucionais. A
hierarquia e a disciplina são fundamentais para a atual estrutura, mas
tudo deve ser interpretado em consonância com as novas características
daqueles que compõem as instituições. É inadmissível que um comandante
profira uma ordem de prisão em função de algo insignificante. Atos dessa
natureza não se coadunam com os tempos modernos.
A consciência cidadã ilumina cada militar na hora de examinar quais são
as melhores condições de trabalho, e quais são os seus direitos e
deveres estabelecidos no ordenamento jurídico. Porquanto, não é mais
permitido ao governador, ao secretário de Estado ou ao comandante de uma
corporação postergar benefícios legais, muito menos decidir, ao seu
alvedrio, sobre situações que estão evidentes em leis.
Essa mudança de paradigmas tem suscitado contendas que põem em lados
opostos superiores e subordinados sob o olhar apreensivo da sociedade.
Na era do conhecimento e da evolução tecnológica, muitas vezes a
velocidade que marca determinadas mudanças comportamentais de alguns,
não é apreendida do mesmo modo pelos que têm responsabilidades para com
eles. Nesse caso específico, o progresso extraordinário no padrão dos
policiais e o desenho retrógrado da mente dirigente evidenciam o
disparate entre as duas partes.
Não tenho dúvida de que essa fase será superada quando os
administradores entenderem que esses servidores não são meros robôs,
mas, seres humanos possuidores de inteligência. Digo isso porque acho
que ainda está arraigada na mente de muitos políticos a ideia, de tempos
pretéritos, de que o policial militar, principalmente as praças são
destinatárias de dois direitos; o primeiro é não ter direito, o segundo é
não abusar do direito que tem. Apesar do tom de pilhérico, muitos
pensam assim.
Diante da nova realidade, não devemos tomar como surpresa as exigências
de policiais sobre a execução de regras vigorantes ou sobre lutas que
visam assegurar o aprimoramento das atividades. Quando o texto legal
disser que um militar deverá receber três uniformes por ano, não será
criminosa a ação do militar que exigir do gestor a entrega das três
fardas nesse período. Quando o texto legal disser que um militar tem
direito a ser promovido após cumprir algumas condições, não será
criminoso o ato praticado por ele visando a sua ascensão a outra
graduação ou posto. Quando o texto legal disser que uma viatura não
poderá circular se não estiver regularizada no órgão competente, não
será criminosa a recusa do trabalho com instrumentos irregulares. A
polícia não será mais conduzida pela linha autoritária estabelecida
pelos que, quando desobedecidos, prendiam e arrebentavam. Hoje, os
militares têm cidadania jurídica e política. Foi assim que determinou o
constituinte originário.
Face ao exposto, urge modificar a estrutura da segurança pública do
país, constituindo um modelo hodierno, eficiente, capaz de combater a
ação criminosa e assegurar a paz social. O atual formato é arcaico e
enseja distorções inimagináveis. A polícia deve ser uma instituição do
Estado com autonomia e independência, e não um órgão subordinado ao
governo de plantão. Os seus membros selecionados em concursos públicos
devem exercer as atribuições sem desvios de finalidade. A polícia existe
para proteger a sociedade.
Destarte, devemos focar o aperfeiçoamento do setor e não pretender
manter um sistema esdrúxulo e ineficaz. Os últimos acontecimentos
registrados em diversos estados brasileiros, a exemplo de Bahia e Rio de
Janeiro, demonstram, claramente, a imperiosa necessidade de se fazer
correções. Está claro que a mente dos policiais tem evoluído, enquanto
que a das autoridades se apoia em padrões ultrapassados. É hora de
mudar.
Algumas soluções para esses problemas são: desvincular as polícias dos
governos e criar a polícia de Estado. Estabelecer autonomia
orçamentária, desmilitarizar as polícias militares e unificar as
polícias militares e civis. O modelo ideal a ser observado é o da
Polícia Rodoviária Federal sem tantas hierarquias, mas com a
imprescindível disciplina. Proposta nesse sentido já começou a tramitar
no Congresso.
*Mendonça Prado é Advogado, Mestrando em Direito Tributário pela
Universidade Católica de Brasília, Deputado Federal por Sergipe,
Presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado da Câmara dos Deputados e Vice-Presidente do Democratas.
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