Pois, diante do intenso e sistemático bombardeio de falsas e/ou equivocadas informações da mídia amiga, do descaso acumulado de vários governos estaduais e dos federais, dos procedimentos do atual, da falta de uma cultura previdenciária nacional, da urgência de solução e da relevância que a matéria exige, face sua complexidade, alcance social e as repercussões financeiras e econômicas que imputa ao Estado e aos seus servidores, decidi vir a público no sentido de desmistificar o que tem sido alardeado pelo governo e setores financeiros interessados, e de contribuir para a construção de um modelo previdenciário público e estatal viável, com uma visão de Estado.
O que deve significar “uma visão de Estado“ na construção de uma Previdência digna e eficaz para os servidores públicos em geral, diante do cenário atual?
Significa, simplesmente, prover essa necessidade, item fundamental para a sobrevivência futura do servidor e de sua família, com o máximo de benefícios possíveis, porém, com auto-sustentabilidade financeira, econômica e atuarial. Em outras palavras, significa instituir um sistema previdenciário com gestão responsável, que garanta, de fato, o pleno usufruto dos benefícios diferidos no tempo, sem representar um fardo ao Estado.
Para entendermos as raízes do problema, vejamos um breve relato do cenário histórico e do atual da previdência dos servidores:
Desde o ano de 1931, quando foi criado o IPE - Instituto de Previdência do Estado -
até o ano de 1966, quase nada se fez em termos de criar uma previdência para os servidores através de um sistema auto-sustentável, com fundo previdenciário e uma gestão que garantisse o futuro desses e de suas famílias. Em 1966, instituíram a lei 5255 que implantou um regime de previdência somente para pensionistas. Mas, e os servidores que se aposentam? Ignoraram, permanecendo esses encargos, até hoje, por conta do Tesouro do Estado, complementados pela contribuição dos servidores, sem um regime específico!
No âmbito federal, nas décadas de 30 e 40, somente a União é que garantia as aposentadorias. Então, criaram-se os IAPI, os IAPETEC, os IAPC, os IPASE e tantos outros institutos que funcionavam muito bem. Não geravam as filas onde, hoje, morrem brasileiros e brasileiras mendigando seus direitos à saúde e à previdência que, a cada dia, míngua em benefícios e direitos, através de sucessivas reformas “paralelas das paralelas“ da Previdência, protagonizadas por constituintes que, sem poder originário, rasgam, página a página, a constituição de 1988, movidos por “mensalões“, “dólares nas cuecas“ e tantos outros escândalos, sem solução no judiciário superior, aliás, este de triste memória na taxação dos velinhos e das velhinhas, aposentados e pensionistas.
A partir da década de 50, unificaram todos os institutos precitados no INSS e sumiram com o patrimônio gerado pelas contribuições dos servidores àquelas instituições. Ficou fácil, aí, desviar 600 bilhões para a construção de Brasília, para a Ferrovia do Aço, para a Belém-Brasília, para a sucata de usina nuclear que a Westinghouse instalou em Angra dos Reis, para a construção de viadutos que ligam o nada a coisa alguma no meio da selva, no tempo da ditadura militar, e por aí vamos! Mas, ainda, continuam a desviar os recursos da Previdência Geral. Ao contrário do que dizia o Governo Federal, até a poucos meses, a Previdência Geral sempre foi e é, pelo menos, aritmética e progressivamente superavitária! Em caso de dúvida, é só compulsar os dados da ANFIP - Associação dos Auditores Fiscais da Previdência Social - aqueles que lidam diariamente com a verdade dos números previdenciários, sem as maquiagens politiqueiras e os interesses financeiros escusos.
Aqui no Estado, desde 1982, nada aconteceu no bom sentido previdenciário, até que o atual governo, sem saber atingir as raízes do problema econômico e financeiro do Estado, com conseq¨ências aos investimentos públicos e ao bem estar de toda sociedade, resolve atacar a crise financeira com um empréstimo internacional em dólares, recentemente, ultimado.
Como medida preparatória ao contrato, imposta pelo credor (BIRD), entre outras submissões e cláusulas condicionantes, vende ações do Banrisul e constitui dois fundos, meramente financeiros, embora ditos previdenciários, e remete à Assembléia Legislativa dois projetos de lei, os de n° 393 e 394, de conteúdos previdenciários propositalmente incompletos, para não despertar reação dos servidores, e com o vezo de suprir as exigências do Ministério da Previdência, para a obtenção do CRP - Certificado de Regularidade Previdenciária - sem o que, não se habilitaria ao aval federal para a consecução do precitado empréstimo.
Os destinatários previdenciários ficaram, até o momento, à margem da discussão do mérito de tais projetos, eis que não ocorreu o necessário diálogo, nem consulta acerca do instrumento que vai formatar seus futuros e de suas famílias. O viés é outro, é o de desonerar os cofres públicos a qualquer preço, mesmo com submissão em dólares, sob o pretexto de viabilizar investimentos.
Não está havendo verdade, nem democracia, seja nos princípios, seja no conteúdo, seja na forma e, muito menos, nos objetivos! Os governos não instituíram, durante décadas, uma previdência pública plena. Os valores que deveriam constituir um fundo previdenciário que garantiria o futuro, de forma auto-sustentável, foram desviados para gastos e investimentos com a sociedade, através do poder econômico, da mesma forma que sempre fizeram os governos federais. E, assim, no mínimo, por imprevidência, criaram um enorme déficit financeiro no Estado e um fantástico déficit previdenciário com os atuais servidores e que, agora, não tem solução, pois irreversível diante de seu montante e em face da situação econômica e financeira do Estado. Ora, o que não tem solução, solucionado está! É o que se depreende do PL 394, que o atual governo transformou na Lei n° 12.909/08, atingindo os atuais servidores e seus dependentes. O Tesouro do Estado arcará com as despesas previdenciárias desses, que irão diminuindo até seu desaparecimento, em 30 ou 40 anos! Não resta, aos servidores, outra solução, senão concordar, mas... até aí!
Eis que o atual governo, através do PL 393/07, tenta impingir aos futuros servidores, um Regime de Previdência Complementar (previsto, opcionalmente, no artigo 202 e nos §§ 14, 15 e 16 do artigo 40 da CF) que impõe a constituição de uma entidade de previdência de natureza jurídica privada, gestora de todas as contribuições dos novos servidores, que licitará três entidades financeiras privadas que se alternarão de cinco em cinco anos na aplicação dos bilhões que serão gerados pelo sistema. Será um IPE privado, fora do IPE estatal!
As contribuições serão na modalidade definida, porém os benefícios serão indefinidos, ao sabor das incertezas e flutuações do mercado, como se verifica atualmente no plano internacional. O servidor, desde sua posse, e seus dependentes não saberão o valor de seus benefícios, nem se terão algum na época de fruição, e o Estado não se responsabilizará por qualquer insuficiência ou desequilíbrio do sistema, sob qualquer hipótese, eis que estará impedido constitucionalmente (vide § 3° do artigo 202 da CF), salvo sua mínima cota de patrocinador, limitada à proporção de um por um, e só até a alíquota de 7,5% (e por que só até 7,5%?) o que constitui outro subteto, agora via constitucional, eis que reduzirá os proventos dos futuros servidores a menos da metade dos atuais, no final de suas carreiras, daqui a 40 ou 50 anos! Quanto às pensões, só Deus sabe! Eis, por que, a tabela de benefícios foi deliberadamente omitida no projeto governamental enviado à Colenda Casa das Leis.
Mas, não pára por aí. Os futuros servidores não terão paridade de remuneração, nem integralidade em relação aos atuais, criando-se duas classes no funcionalismo estadual, com todas as conseq¨ências que se pode imaginar nas relações funcionais! E os reajustes de seus benefícios dar-se-ão por critérios estabelecidos nos regulamentos dos planos, vedados o repasse de ganhos de produtividade, abono e vantagens de qualquer natureza para tais benefícios (Lei Complementar n° 108/01).
Além dessas maldades, o RPC dará um prejuízo de pelo menos vinte e cinco anos aos cofres públicos, eis que o Estado, além de não recolher os 11% sobre a integralidade das remunerações, terá de pagar 7,5% ao fundo individual de cada servidor, totalizando um desencaixe mensal de 18,5% sobre toda a folha de pagamentos que ultrapassar o limite máximo do RGPS.
A crise na Previdência não tem fato gerador na conjuntura econômico/financeira, no sistema previdenciário ou por culpa dos servidores: é pura má gestão! Prejudicarão irreversivelmente os servidores, pois não se mexe em previdência impunemente, e tudo isso sem resolver a crise financeira, que tem outras origens. Apenas irão ao sentido de privatizar os recursos da Previdência Pública, que é o que o sistema financeiro e o governo federal querem. Mas, acreditamos que nem tudo está perdido. Afinal, como se poderá resolver a crise da previdência estatal?
Ora, metade do problema já está resolvida, com a concordância inclusive dos servidores. Como a situação dos atuais não tem solução, pois a resolução financeira é impossível face ao tamanho do déficit, solucionado está. O Tesouro arcará com os pagamentos de proventos e pensões até a extinção do atual grupo, pelo regime de caixa.
Outrossim, deverá se efetuar, obrigatoriamente, uma segmentação de massas entre atuais e novos servidores. Adota-se um RPPS pleno a todos, porém com dois regimes financeiros exclusivos e distintos, vedando-se a migração de servidores entre eles. Ou seja, um Regime de Repartição Simples aos atuais e um Regime de Capitalização Coletiva aos que ingressarem no serviço público apartir da vigência do novo modelo previdenciário. Também, deveremos, com pequenas alterações nas leis que criaram os dois fundos financeiros precitados, destinar o que reservou 90% do produto da venda das ações do BERGS a um fundo destinado aos atuais servidores, lastreando o seu regime de caixa, e o outro, que reservou 10% daquele produto, destinar-se-ia ao fundo previdenciário dos novos servidores.
Auto-sustentabilidade e estabilidade atuarial existem, recursos iniciais, também!
Falta, apenas, diálogo com os servidores e uma visão de Estado!
É agora, senhores e senhoras, ou nunca mais!
Artur Desessards Jr.
Em 29/09/2008 Diretor de Previdência do IPERGS
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Nota: RPPS = Regime Próprio de Previdência Social: destinado exclusivamente aos servidores públicos;
RGPS = Regime Geral de Previdência Social: destina-se somente aos funcionários da iniciativa privada;
RPC = Regime de Previdência Complementar: sistema privado que, opcionalmente, poderá ser imposto aos servidores públicos.
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